Feito Mato

É como se daqui da janela eu observasse o terreno vazio que encosta na minha casa. Ainda que de minha propriedade, não consigo chegar lá com facilidade. Daqui, dá para ver bem o que floresce nele. Plantas vão aparecendo, algumas encostadas no muro frio e e esverdeado. Já outras se jogam dia a dia em direção ao sol, no canto oposto. 
Ali pelo meio, flores nascem tão perto uma da outra, amarelas e pequenas que podem facilmente ser confundidas com uma coisa só. Mais para frente, de uma planta feia desajeitada despenca uma flor roxa estonteante: ela sabe que é e por isso se mostra. Dá para ver também que algumas plantas estão encobertas por outras maiores. Vez ou outra, a depender do vento, sente-se um cheiro misturado de muitas coisas, como se uma cozinheira invisível flutuasse catando especiarias para sua nova receita arrebetadora. 
Eu não faço nada para que elas floresçam. Passo muito tempo caçando um jeito de chegar lá e ajeitar o terreno aqui e ali para que produza de fato algo que eu possa colher. Quem sabe dá laranja, quem sabe dá pitanga, quem sabe dá pimenta, quantos tipos de chá eu posso colher? Alheio a minha intenção e a minha inatividade, ainda assim, o terreno explode em fertilidade e tons de verde.
Nem sempre o cheiro que a brisa traz é doce. Vez ou outra eu sinto medo das sombras e dos movimentos que denunciam algo indesejado que talvez more ali. E eu sinto muito não poder olhar de perto, nem saber de tudo sobre o que ali nasce, cresce, se reproduz e morre. Porque eu sei que onde nasce muito, também morre outras criaturas para alimentar o ciclo. 
Esse terreno sou eu. Minhas escolhas e vontades. Especialmente meus desejos. Estão fora do meu alcance, não posso mexer nesse mato. Daqui apenas eu observo, com o desejo imenso de cultivar frutos, preparar o solo, retirar o que está sufocando outras ideias para que algo maior e mais vistoso floresça. Mas eu não alcanço. Algo me chama e tem horas que nem da janela posso me observar. Assim como o terreno, ainda que eu feche meus olhos, meu eu floresce, cresce. Nasce nele o que não deve, nasce também o que eu sei sequer nomear. 

(Esse post tem muita inspiração nos escritos de Carla Soares do outracozinha.com.br, com seu conhecimento incrível sobre PANCs e seu jeito acolhedor e transformador de escrever)

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