De boas intenções, o inferno está cheio.

Hoje vai ser um daqueles dias que estarão na memória. Ter escolhido fazer Direito coloca  a gente numa série de coisas solenes, tipo essa de receber a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil. E lá se vão mil recomendações e documentos a serem trazidos antes, do traje (paletó para os homens e "vestimenta compatível com a função de advogada" para mulheres) a recomendação de não se atrasar.
Acontece que acima das recomendações com que eles se preocupam tanto, existe a lei que exige acesso pleno a prédios públicos. E na OAB Seccional Bahia não há sequer uma vaga reservada, a rampa de acesso é uma de madeirite coberta (tinha que ser, né? Para parecer "bonito") de tecido. E já que nem nos dias solenes se pode deixar de lado a deficiência, fui lá recebr minha carteira que mereci e alcancei, sempre seguindo as recomenações, mas nem sempre recebendo dos que me recomendavam o respeito aos meus direitos.
Já falei disso aqui antes, mas é impressionante e irritante como as pessoas insistem em tratar as pessoas com deficiência como incapazes. Ignoram o fato de, para eu estar ali, no meio daquela presepada toda, recebendo uma carteira, eu tenho uma história. Toda uma vida escolar, uma graduação, um exame de ordem não parece importar, só a cadeira naquele momento conta, para atestar se eu tenho capacidade de responder perguntas simples, feitas a minha mãe, que me acompanhava:
-"Ela vai querer tirar foto?"
-"Ela pode estacionar mais pra lá um pouquinho com a cadeira?''
-"Ela está de parabéns, viu? Conseguiu virar advogada!"
Sim, pessoal, eu ouvi isso aí. Três vezes. Três pessoas diferentes.
Daí que não é preciso se perguntar muito porque essas coisas ainda acontecem. Chego em casa, ligo a TV por acaso e um desfavor, mais comumente chamado de novela teen, Malhação, está  passando. Cinco minutos são suficientes para se ouvir as piores coisas de quem, em tese, está querendo tratar do tema deficiência. Uma das personagens diz ao pai, encantada, como quem viu uma espécie rara de pássaro no zoológico, que conheceu um garoto no primeiro dia de aula "que é cego, mas nem parece, ele é tão sensível". O que ela quis dizer com isso, porfavor, caros leitores? Os cegos tem que parecer com o que, exatamente?
Na cena seguinte, uma outra personagem conta feliz da recuperação do amigo/namoradinho/qualquercoisa que é paraplégico. Pelo pouco que eu sei, já teve uma meia dúzia de personagens deficientes nessaa novelinha que, após uma temporada de muita luta e sofrimento, milagrosamente se curam. Ótimo, mas se tem mesmo essa boa intenção de tratar temas sociais, que tal chegar mais perto da realidade e ver como essas pessoas estão sendo bombardeadas com, além de todas as dificuldades inerentes à deficiência, preconceitos velados de que somos menos capazes, mas ao mesmo tempo heróis? Por que o personagem com deficiência não pode passar pelo drama de ver sua namoradinha grávida dele, sem planejamento, por exemplo?
Não entendo a moral da história nessa novela de ver os personagens com deficiência sempre tendo o mesmo fim, se milhares de jovens estão por aí passando pela mesma coisa e, pasmen: não estão se curando, apesar do sofrimento e luta, estão vivendo os dramas de ser adolescente E deficiente num país que nem os órgãos responsáveis por zelar pela observância das leis está obedecendo as leis que lhes permitiriam ir e vir. Jovens que, assim como eu, estão recebendo seus diplomas, seus salários, seus amores, suas vidas. Enquanto novelinhas, cheia de "boas intenções" em tratar temas sociais, mas sem nenhum cuidado com a realidade e o impacto que causam, perpetuam atitudes discriminatórias e as pessoas acham normal ignorar uma enorme parcela de cidadãos.

Comentários

  1. Anônimo6:55 AM

    hehehehe sempre assim....ainda vou listar as barbaridades q falam pra um cadeirante, todo dia escuto uma igual e uma diferente....

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